TRAGÉDIA DA FOME NO CUANDO CUBANGO

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No solo seco e esquecido do Rivungo, província do Cuando Cubango, à fome não é apenas um adversário invisível,  é a mão que ceifa vidas e destrói esperanças.

Sem Censura

“ Aqui, a morte encontrou abrigo nas ruas e nas matas, enquanto o silêncio cúmplice das autoridades transforma cada dia em uma luta desesperada pela sobrevivência”, desabafou um dos moradores.

Ngambela, morador do bairro Kavungo, foi enterrado na última segunda-feira, 9, . Sua partida foi silenciosa, sem pompa, sem justiça. Nzita, do bairro Katengo, sucumbiu a um gesto de desespero, comeu frutos “impróprios” para à fome que o consumia. A diarreia, fruto do veneno da pobreza, minou suas forças até que o coração parou. João Baptista, do bairro Limba, caiu na emboscada da natureza ao procurar por frutas silvestres, foi mordido por uma cobra e não resistiu e mais outra vítima, da qual as autoridades tradicionais não citaram sua identidade.

Essas são apenas algumas das histórias que ecoam na terra castigada pelo abandono. À fome, implacável, já levou 27 vidas. Dez aldeias foram abandonadas pelos seus moradores, que fugiram para a Namíbia e a Zâmbia em busca do que Rivungo já não pode oferecer, “comida e dignidade”.

As escolas, outrora templos de esperança, agora estão vazias. Cinco delas, nos bairros Tchifuaku, Neriquinha, Kambala, Muyau e Samatamo, encerraram suas actividades ainda no primeiro trimestre. No Muyau, sequer houve força para concluir o período lectivo. Os alunos, empurrados pela necessidade, deixaram a aldeia em setembro, rumo às ilhas do rio Kwandu, em busca de frutos silvestres. Os professores, resistindo ao abandono, adaptaram uma escola improvisada na aldeia do ChoCho, onde leccionam sob a sombra das árvores.

A VERGONHA DA MÁ GOVERNAÇÃO

Enquanto o povo do Rivungo luta por sua sobrevivência, a liderança municipal e Províncial parece alheia ao sofrimento. O administrador, João Wilson Tchimbinde, segundo as autoridades tradicionais e moradores, abandonou o compromisso com os mais vulneráveis. Seu título de “Doutor”, rejeitado por muitos por falta de mérito, é símbolo de um Governo que ignora as chagas da fome. Quando questionado o porquê da não existência de projectos no Município, o governante justifica os seus desvios e a incompetência, respondendo que nunca recebem dinheiro quando todo mundo sabe que o OGE é extensivo para todas as unidades orçamentais e ao Rivungo tem chegado dinheiro.

O actual administrador municipal nunca esteve preocupado com as mortes das pessoas, até aqui não se deslocou em nenhuma comunidade para constatar o que realmente se passa, manda seus subordinados. “A vida é sempre estar em Menongue, outras paragens e quando está aqui no município, divide-se entre palácio,  Administração e Partido para reuniões que levam quase o dia inteiro”, denunciam.

No passado, antes do senhor chegar ao Rivungo,  o município floresceu. Pólos agrícolas prosperaram e a terra produziu cereais suficientes para alimentar à população e ainda exportar para regiões vizinhas. Até mesmo a praga de gafanhotos, que assolou a zona, não conseguiu parar o avanço. O Rivungo era um exemplo de resiliência e esperança. Hoje, no entanto, o que resta são campos vazios, aldeias desertas e um povo à mercê da morte.

O CLAMOR DA TERRA

João Munuma Kakundunkundu, regedor municipal, já perdeu cinco familiares para a fome. Sua dor ecoa como um grito de desespero, pedindo acção onde só há indiferença. “Não podemos continuar assim. Estamos a morrer”, é o apelo de quem já não vê saída.

O Rivungo chora suas perdas, e suas lágrimas se misturam ao clamor por justiça, por humanidade, por compaixão.

“É um apelo ao Governo, às organizações humanitárias, ao mundo, salvem o Rivungo antes que ele desapareça”, clamou.

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