LUANDA E OS SEUS DESAFIOS EM ÉPOCA CHUVOSA-MONIZ SEBASTIÃO

Opinião

A cada época chuvosa, a cidade de Luanda enfrenta um ciclo recorrente de inundações que afecta não apenas a infra-estrutura urbana, mas a vida de milhares de cidadãos que vêem os seus bairros, casas e bens submersos pelas águas.

Fonte: Moniz Sebastião

O trânsito automóvel transforma-se num caos, os charcos e a falta de mobilidade tornam-se uma realidade que frustra a população, e o sistema de escoamento, deficiente e subdimensionado, expõe as fragilidades estruturais da cidade. A cada ano, o cenário repete-se: a passividade das autoridades nas épocas secas é substituída por acções paliativas quando a chuva começa a cair, muitas vezes acompanhadas pela cobertura mediática que tenta mascarar a gravidade da situação. No entanto, o que Luanda necessita urgentemente são soluções estratégicas de longo prazo que integrem não apenas a reestruturação das infra-estruturas, mas também um planeamento ecológico robusto.

  1. Consequências das Enchentes na Mobilidade e na Vida Diária

As chuvas em Luanda desencadeiam uma série de problemas no trânsito e na mobilidade. Ruas inteiras ficam intransitáveis, com veículos presos em charcos profundos, interrompendo a circulação e obrigando as pessoas a percorrer longas distâncias a pé. Bairros inteiros ficam isolados, dificultando o acesso a serviços básicos como saúde, educação e trabalho. Este cenário caótico, que poderia ser minimizado com infra-estruturas adequadas de drenagem, revela uma total falta de investimento em soluções sustentáveis.

Muitos países, enfrentando situações semelhantes, têm adoptado soluções eficazes. Em Copenhaga, na Dinamarca, por exemplo, a construção de parques de retenção e áreas verdes multifuncionais ajudou a reduzir as inundações urbanas, transformando áreas problemáticas em espaços de lazer que, ao mesmo tempo, retêm e absorvem águas pluviais. Estas soluções não apenas mitigam os impactos das enchentes, mas também melhoram a qualidade de vida urbana. Luanda poderia adoptar uma abordagem similar, integrando a natureza no planeamento urbano para lidar com as águas pluviais.

  1. O Desperdício das Águas e o Risco à Saúde Pública

Um dos grandes problemas é o desperdício das águas acumuladas nas bacias de retenção construídas em Luanda. Em vez de serem aproveitadas para fins agrícolas, industriais ou de irrigação de jardins urbanos, estas águas permanecem estagnadas, gerando riscos para a saúde pública. A proliferação de mosquitos, que contribui para o aumento de doenças como a malária, é um problema recorrente, agravado pela falta de acção preventiva das autoridades. A falta de manutenção destas bacias e a ausência de um plano de reaproveitamento da água acumulada são evidentes.

Cidades como Melbourne, na Austrália, mostram como o aproveitamento das águas pluviais pode ser uma solução eficaz. Lá, foi implementado um sistema de reutilização da água das chuvas para a irrigação de áreas verdes, limpeza de ruas e uso em processos industriais. Este tipo de gestão integrada das águas pluviais pode não só prevenir enchentes, mas também criar uma economia circular que aproveite um recurso natural abundante.

  1. A Inércia das Autoridades e a Responsabilidade Cívica

A postura passiva das autoridades administrativas em Luanda é um factor agravante da situação. Quando o clima é seco, o problema parece inexistente, e medidas estruturais são adiadas ou ignoradas. Contudo, com a chegada das chuvas, as soluções paliativas emergem, como se fosse possível resolver um problema crónico com acções de curto prazo. É comum ver operações de limpeza de valetas, esvaziamento de bacias e a mobilização de máquinas, numa tentativa de reduzir o impacto imediato das enchentes. No entanto, estas acções são reativas e pouco eficazes a longo prazo, sendo mais uma demonstração para as câmaras de televisão do que uma solução genuína.

Além disso, não podemos ignorar o papel da população local. A prática comum de depositar resíduos sólidos em locais impróprios, como valetas e canais de escoamento, obstrui o fluxo normal das águas. A construção desordenada de habitações em áreas de passagem natural da água, muitas vezes com a conivência das autoridades, só agrava a situação. É necessária uma mudança de mentalidade, tanto da parte das autoridades como dos cidadãos, com uma aposta forte em educação ambiental e fiscalização rigorosa das construções urbanas.

  1. Arborização Planeada: Um Caminho Sustentável

O papel das árvores no controlo das enchentes não pode ser subestimado. A ciência confirma que determinadas espécies, como o salgueiro, o eucalipto e o amieiro, têm uma capacidade significativa de absorção de água, podendo ser uma solução natural para a retenção de águas pluviais em áreas críticas. A arborização estratégica, com espécies adequadas a cada zona da cidade, pode contribuir para a redução de charcos, a estabilização dos solos e a prevenção da erosão. Além disso, as árvores proporcionam sombra e melhoram a qualidade de vida urbana, promovendo um ambiente mais saudável e esteticamente agradável.

É imprescindível um plano director de arborização para Luanda, que integre funções ambientais, sociais, urbanísticas e económicas. A arborização deve ser vista como parte de uma solução ecológica para os problemas das enchentes, ao mesmo tempo que promove uma cidade mais verde e resiliente.

Em suma, Luanda precisa urgentemente de soluções integradas que envolvam tanto o planeamento urbano quanto o ecológico. Não se pode continuar a adiar o inevitável: é necessário investir em infraestruturas de drenagem adequadas, reutilizar as águas pluviais, apostar numa arborização estratégica e educar a população sobre o impacto das suas acções no ambiente. Cidades em todo o mundo já implementaram soluções eficazes para o controlo das enchentes. Luanda deve seguir este exemplo e mobilizar equipas multidisciplinares que incluam ecologistas, antropólogos, sociólogos, economistas, urbanistas, engenheiros e especialistas em políticas públicas para formular um plano estratégico que promova a resiliência da cidade face aos desafios das épocas chuvosas.

Adiar a acção não é uma opção. Afinal, pensar não dói.

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